Um ponto final

Ou closure, como a lingua inglesa resolveu chamar essa sensação de fim depois de uma experiência ruim. O último post de um assunto que fica no meu passado, que aos poucos eu vou superando e que um dia vai ser só lembrança.

Meu ponto final veio hoje.

Em forma de uma última ultrasonografia mostrando meu últero vazio, limpo e saudável. Pela primeira vez isso era uma boa notícia. O que vinha se prolongando por quase um mês terminou hoje.

Naquela última sexta-feira eu precisei lidar com a confirmação da gravidez múltipla (e de alto risco) e de um aborto retido. Precisei lidar também com a decisão de como dar fim a coisa toda.

Esperar era o que eu queria. Esperar meu corpo se dar conta e resolver o resto sem intervenção, sem mais trauma, pelo menos físico. Mas não deu. Não deu porque existia um risco de hemorragia interna e porque eu não poderia arriscar passar mal estando sozinha com meu filho em casa. Ao mesmo tempo preferi (já que a escolha era minha) não passar por uma curetagem no hospital. Aceitei a recomendação da médica que me atendeu e optei pelo cytotec (duas doses de comprimidos que induzem o aborto).

Vim para casa com o remédio na bolsa (e remédios para dor também), lavei meu rosto e fingi que nada tinha me acontecido para receber a fiscal do Food Safety Authority que viria naquela tarde vistoriar minha cozinha para aprovação da minha licença para produzir e comercializar alimentos feitos em casa. Falamos sobre meu processo de produção, sobre meus produtos de limpeza, sobre a esterilização do meu equipamento, a temperatura da minha geladeira. Ela verificou a limpeza do local (até do teto), como eu lavo as mãos, onde guardo minhas embalagens, meu estoque, os banheiros da casa. Tudo como se nada tivesse acontecido.

Só quando ela foi embora voltei a me dar conta do que tinha acontecido naquele dia.

I. ligou no trabalho, desmarcou compromissos e ficou comigo em casa. Não teria conseguido ficar sozinha. Ligamos para os meus sogros e combinamos que minha sogra viria para Dublin no domingo à noite, caso eu ainda não pudesse ficar sozinha com E. Só depois de tudo providenciado eu sentei e tomei a primeira dose  de 3 comprimidos.

As 36 horas que se seguiram eu prefiro esquecer e não teria nem coragem de descrever aqui. Resumindo, hoje eu não teria acreditado que esse era o método menos traumático fisica e emocionalmente. Se tivesse que passar por isso de novo (teria se o remédio não tivesse dado conta de tudo), optaria pela hospitalização e curetagem. Mas essa é sempre uma escolha pessoal.

Só no domingo eu consegui sair da cama por algumas horas. Fiz bolinhos de chuva para E., pela primeira vez (ele chorou e emburrou quando viu os bolinhos porque eles eram muito pequenos, mas depois acho que a gostosura que me lembra a casa da minha mãe foi aprovada). Fiz um bolo de chocolate para a sobremesa também, já que minha sogra viria jantar.

Durante a semana segui em frente. Triste e me sentindo bem fraca e cansada, mas longe de estar deprimida. Visitei o terapeuta, tomei uma taça de vinho, pitadas de normalidade aqui e ali. Minha sogra voltou para Killarney levando E. com ela e eu aproveitei para colocar o sono em dia.

Hoje finalmente acabou. A única recomendação médica é de vitaminas e ferro para a anemia (resultado da perda de sangue), descanso para o corpo, e paz para o coração.

N.

PS. No meio de tanta tristeza nem consegui comemorar o fato da minha cozinha ter sido aprovada.