A primeira vez que eu notei foi logo no início do tratamento.
Minha médica tinha pedido alguns examespara descartar outros problemas de saúde além da depressão. Como de costume marquei a data no calendário que fica na cozinha de casa e que olho diariamente.
No dia marcado cheguei no consultório com antecedência, também como de costume. Dei meu nome para a secretária e olhando no sistema ela me disse que não eu não tinha marcado os exames para aquele dia. Pedi que ela olhasse direito porque eu tinha certeza que tinha marcado. Será que errei de semana? Era na terça, o exame era na terça, eu tinha anotado, tinha feito jejum, tudo certo. “Olha, aí, eu agendei e anotei TERÇA-FEIRA”. Não, semana que vem também não. “Era ontem”, ela diz. Ontem? Não, não era, eu marquei no calendário.
Enfim, não adiantava nada dizer que o engano não era meu. Ela conseguiu um encaixe e colheram meu sangue naquele dia mesmo e eu voltei para casa com a certeza que o engano era dela que agendou errado.
Na semana seguinte foi o terapeuta. Me ligou um dia às 20h15 perguntando se eu estava atrasada. Atrasada? Não, nossa consulta é só amanhã. Corri até a cozinha, olha aí: a consulta é amanhã às 20h00. Como eu ia anotar no calendário a data errada? Ele insistiu que estava lá só esperando por mim. Eu que já estava de pijama troquei de roupa rapidíssimo e sai de casa literalmente correndo e louca de raiva.
O que anda acontecendo com as pessoas? Deve ser complô para eu achar que estou enlouquecendo. Será que estou enlouquecendo? Sim, porque eu não esqueço das coisas assim. Eu anoto no calendário, confiro diariamente, não perco consultas ou datas importantes. Eu não chego atrasada, não faço as pessoas me esperarem.
Chorei de nervoso nesse dia.
E depois foi acontecendo cada vez com mais frequência. Acordar de manhã e perceber que não liguei a máquina de lavar louça, sair de casa para levar o Erik na escola e perceber no meio do caminho que larguei a mochila para trás, sair com a Elena e não levar uma mamadeira e ouvir a menina chorando no carro, guardar o leite no armário ao invés da geladeira.
Esses dias reparei que tenho ido ao mercado diariamente, mesmo fazendo as compras semanais no domingo (seguindo minha lista e menu semanal) sempre falta alguma coisa que deixei de comprar. E no dia seguinte volto lá porque faltou uma outra coisa. Um dia não tem ovos, no outro não tem pão.
Outro dia esqueci o jantar da Elena. Só depois que ela dormiu e eu fui arrumar a cozinha que percebi que o jantar dela estava ali, separadinho para esquentar pra ela. Ela dormiu de barriga vazia e eu com a consciência pesada.
No aniversário da pequena fiz uma lista de convidados, claro. Pouquíssimas pessoas como eu contei por aqui, mas fiz uma lista, convidei todo mundo por mensagem no whatsapp e… esqueci alguém que queria ter convidado. Ela ficou sabendo da festa e eu, sem jeito, contei que tinha esquecido de convidar.
O cúmulo foi na última semana, quando simplesmente esqueci o pagamento da au pair que está trabalhando com a gente. Esqueci. Deveria ter ido sacar o dinheiro mas não fui e ela foi embora na sexta-feira sem receber o pagamento da semana trabalhada, me deixando morta de vergonha.
Eu não sei se isso é efeito da medicação ou da doença, ou ainda uma mistura das duas coisas, só sei que essa não sou eu.
Às vezes acho que a minha cabeça não funciona mais tão bem quanto antes. Os compromissos no calendário têm que ser anotados no mesmo momento em que são marcados porque passados 30 segundos eu já não me lembro mais a data certa. Também sou obrigada a consultar o calendário com mais frequência. Tenho sido mais cuidadosa com a lista de compras e até no dia-a-dia tenho seguido listas do que precisaria ser feito.
Além disso, tenho dificuldades de concentração em ambientes com muita gente. Ir ao supermercado sem lista de compras, por exemplo, é um sufoco. Shopping centre com as crianças, impossível. Então evito essas situações.
No começo foi difícil lidar com tudo isso, com certas limitações, com o que é a doença, o que sou eu e todas as questões filosóficas que isso envolve. Ao mesmo tempo, tem sido importante porque tem me ensinado a ser mais generosa comigo mesma, a exigir menos de mim, a me aceitar imperfeita.
Meditação me ajuda muito. Compreensão alheia idem.
E post-it.
N.
12 Comments
Dani Bispo
March 7, 2016 at 5:07 pmIssooooo se cobre menos! Somos seres humanos, temos direito de falhar, Não é nada grave, sua filha não ficou doente por ter ido dormir sem comer e esquecer de pagar o Au Pair não foi nada trágico, se ela estivesse precisando muito do dinheiro iria te lembrar,
Somos muito exigentes com nós mesmos.
bjs
Dani Bispo
Nivea Sorensen
March 8, 2016 at 12:15 pmObrigada, Dani x
Alessandra Mosquera
March 7, 2016 at 5:58 pmAcredito que tem a ver com a medicação, eu também sempre tive una memória de elefante e desde que voltei a fluoxetina a minha memória não é a mesma, a ponto de ter que ler o mesmo parágrafo de um livro duas vezes, perguntar o que acabaram de me dizer… Tem vezes que não me reconheço. Um abraço! Estamos nesta!
Nivea Sorensen
March 8, 2016 at 12:15 pmObrigada, Alessandra x
Andreia
March 7, 2016 at 8:35 pmUns com a memoria e outros com atenção. Chega a ser frustrante, às vezes. Mas fazer o quê? Aceitar, ué.
Eu sempre digo que eu sinto saudades da pessoa que eu era, (…) e não tbm.
Nivea Sorensen
March 8, 2016 at 12:15 pmPois é 😉 x
Mariana
March 7, 2016 at 10:48 pmNivea querida,
respira fundo que essa é uma reação normal e você vai superar mais essa.
Me lembro que na época de uma das crises que tive também errei data de consulta, dia de um chá de bebê, saí de casa sem dinheiro e sem documento… Com o tempo, a memória melhorou mas nunca mais foi a mesma. O que melhorou mesmo foi aceitar e ser mais amorosa, generosa comigo mesma.
Força!
Nivea Sorensen
March 8, 2016 at 12:16 pmObrigada, Mariana x
Juliana
March 8, 2016 at 1:46 amNivea, Eu estou na mesma situação que você. Esqueço coisas que fiz, pego a toalha pra tomar banho e já não sei mas onde a deixei. Pergunto três vezes a mesma coisa. Tenho que anotar tudo. Às vezes até o remédio eu não sei se já tomei ou também esqueci. Enfim…a médica diz que é efeito da depressão, pois ela deixa desligada e aérea. Mas eu fico péssima e com vergonha por isso, porque não consigo prestar atenção em muita coisa. E não sou mais complacente comigo mesma.
Nivea Sorensen
March 8, 2016 at 12:16 pmJuliana, eu também não me lembro se já tomei o remédio, se já lavei o cabelo, essas coisas x
Juliana
March 8, 2016 at 8:43 pmA questão é conseguir ser mais tolerante comigo. O que eu não sou naaada!!
Marie
March 9, 2016 at 1:47 amTenho tudo isso.
Começo a lista de cinco vitaminas que tomo e aplico de forma diferente, faço três pausas pra fazer qualquer outras coisas desimportantes e quando volto tenho de fazer um esforço mental enorme para saber o que já tomei…
Tomo de menos ou de mais e fico com diarreia rsrsrs percebo que não funciono a 100% mas, quem funcionar melhor que eu que venha limpar a casa!
Claro que não gosto de passar por tudo o que vc descreveu que lhe acontece é que me acontece no nível triplo.
Sem falar que ao contrário de vc apenas consigo chegar atrasada.
Tenho TDAH e tá bom assim.
Não é ilegal, nem imoral, nem pecado.
Me desculpo, me envergonho e a vida segue assim de linda.
Já pensei em tomar Metilfenidato, mas tenho preguiça. Estou esperando para terminar essa cura para começar com o Ômega super, ultra que o ortomolecular passou.
Nívea, tenta ler e fala com teus médicos sobre os ômega verdadeiros e puros que eles ajudam muito as funções cerebrais.
Não se culpe.
Vc está dentro dos padrões.
Pior acho quem é negligente por natureza. Vc aí mesmo cuida de ser pontual.