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Pretensões e Desabafos

Aquela que espera

Perdi as contas das vezes que, ainda adolescente ou mesmo já adulta, cheguei em casa tarde, ou de madrugada, e vi minha mãe esperando por mim no sofá da sala. Ou ainda na varanda. Sim, muitas vezes desci do carro de um amigo, ou de um táxi, já vendo minha mãe na varanda do apartamento onde morávamos (onde ela ainda vive).

Quantas vezes eu briguei com ela por isso? Quantas vezes achei que ela me envergonhava ou que não confiava em mim? Não sei.

Quantas vezes ela dormiu tranquila enquanto eu estava fora? Isso eu sei dizer: nenhuma. Nunca cheguei em casa e vi minha mãe dormindo na cama dela. Adormecida no sofá, toda torta, com cara de quem tentou muito ficar acordada, talvez. Na cama, de camisola, nunca.

E só hoje, só depois de ser mãe, eu entendo o porquê. E só hoje, depois de saber da tragédia de Santa Maria, eu consigo mensurar a alegria e o alívio que ela devia sentir cada vez que eu entrava por aquela porta. Hoje fico pensando em quantas vezes elas quis me abraçar, mesmo enquanto eu gritava com ela para ir dormir e me deixar em paz. E hoje eu entendo porque mesmo com as brigas ela continuava a fazer o mesmo todas as vezes que eu saia de casa à noite. Me ver entrar pela porta compensava qualquer besteira que eu pudesse dizer, ou o cansaço do dia seguinte causado pela noite mal dormida.

Hoje eu sinto muito por todas aquelas mães que não sentiram o mesmo no último domingo. Sinto todo o horror da espera delas, que como mãe, eu sei, não deve terminar nunca.

Quantas vezes elas vão olhar para a porta e desejar que o tempo volte atrás e que eles entrem em casa vivos?

Solidária, eu só consigo mesmo imaginar.

N.

PS. Não existe injustiça maior nessa vida do que essa inversão da ordem natural das coisas que faz uma mãe enterrar um filho.

About Author

42 anos; brasileira que mora na Irlanda; mãe de um filhote de irlandês do cabelo vermelho e muito fogo na bunda, de uma pimentinha de olhos grandes e curiosos e de uma caçulinha que é só sorrisos.

24 Comments

  • Dani Cassar
    January 28, 2013 at 12:22 pm

    Nossa Ni, ontem eu estava mesmo falando com a minha mae e ate choramos, hoje eu tambem consigo entender perfeitamente que ela me espera no sofa todas as vezes. =s

    Reply
  • Priscila Santos
    January 28, 2013 at 1:24 pm

    Nivs, eu tambem fiquei muito triste e pensando nestas familias……. familias que nunca mais serão as mesmas……….
    Muito triste mesmo……………………………………..

    Reply
  • Veneranda
    January 28, 2013 at 1:33 pm

    Muito triste toda essa situação. E, sem dúvida, para quem é pai e mãe dói demais imaginar a dor desses pais.
    Li um texto ontem do poeta gaúcho Fabrício Carpinejar no qual, entre outras coisas, ele escreve:

    “(…)
    Morri porque tenho uma filha adolescente que demora a voltar para casa.
    (…)
    Os adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro.
    Mais de duzentos e quarenta jovens sem o último beijo da mãe, do pai, dos irmãos.
    Os telefones ainda tocam no peito das vítimas estendidas no Ginásio Municipal.
    As famílias ainda procuram suas crianças. As crianças universitárias estão eternamente no silencioso. (…)”

    Não dá pra comentar mais nada né? 🙁
    Bjo

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  • Daniela
    January 28, 2013 at 2:07 pm

    é muito triste, eu só soube chorar….
    imagino quem efetivamente perdeu filhos ou qualquer tipo de parentes na noite de sábado para domingo…

    Reply
  • Ana Paula
    January 28, 2013 at 3:31 pm

    Que bonito e verdadeiro o que escreveste. E é bem isso mesmo… So depois de sermos mães passamos a compreender essa espera pelos filhos entrarem pela mesma porta que sairam. Do alivio que uma mãe sente em ver o filho bem, que saiu e voltou. Estou muito triste, chocada, com o que aconteceu em Sta. Maria… Sem palavras…
    Bjs

    Reply
  • Juliana Valera
    January 28, 2013 at 4:38 pm

    Pois é, realmente muito triste mesmo isso que aconteceu… Meus pais também ficavam sempre preocupados quando eu saía e eu achava um exagero deles. Quando somos jovens, achamos que nada de mal pode acontecer, infelizmente…

    Reply
    • Nivea Sorensen
      January 30, 2013 at 4:35 pm

      E nem temos noção de quanto somos importantes para eles, não é, Juliana? Eu não tinha.
      x

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  • ka smith
    January 28, 2013 at 4:54 pm

    Terrível, né?

    Breno fez 12 anos e eu já começo a me preocupar com essa fase.

    Reply
    • Nivea Sorensen
      January 30, 2013 at 4:36 pm

      Terrível. Ainda bem que o Breno está aqui, não é? Pelo menos um pouco mais de segurança ele vai ter.
      x

      Reply
  • Bruna Dalfré
    January 28, 2013 at 4:59 pm

    Realmente, depois de ser mãe começamos a entender muitas coisas…
    Uma mãe jamais deveria enterrar um filho!

    Abraços Nívea!

    Reply
  • nilcea alencar
    January 28, 2013 at 5:43 pm

    Ontem chorei o dia inteiro pensando no que estas pessoas estão passando,pra simplificar….lembrei do dia 25 de agosto de 2007 as 22.30 que minha filha Haryanna na epoca com 25 anos ,me ligou depois de ter voltado do desmaio onde sofreu um acidente de carro proximo da esquina de casa, com a segunda vertebra do pescoço quebrada, no carro da empresa em trabalhava, apos longo periodo está recuperada casou e tem uma bebe linda……….e agradeço a DEUS todos os dias por me fazer forte o suficiente para superar td isso………..e sempre me pergunto! como eu estaria hj se ela ñ tivesse sobrevivido? b

    beijos a todos e minha solidariedade………..

    nilcéa

    Reply
    • Nivea Sorensen
      January 30, 2013 at 4:37 pm

      Ainda bem que você não precisou descobrir, Nilcea x

      Reply
  • Valnice Abreu
    January 28, 2013 at 9:36 pm

    Nossa Ni, passei o dia assistindo vídeos na internet tentando entender como isso aconteceu e imaginando o desespero das pessoas que se foram.

    Muito triste, impossível não se comover!

    🙁

    Reply
  • Fernanda
    January 29, 2013 at 2:00 am

    Você citou algo que eu li de outra pessoa, e foi uma das coisas mais fortes que li na vida: pai enterrar filho é vida invertida.

    Eu não sou mãe, mas ontem foi um daqueles dias de tomar um chacoalhão sem tamanho e renovar todas as promessas de não deixar nada pra amanhã; pedir perdão, dizer que ama, agradecer sem motivo, abraçar nossos amados e sorrir.

    Eu me emociono fácil, já te disse isso, mas na mesma proporção me abalo muito fácil e ontem foi desolador por aqui. Tive que trabalhar até as 5 da manhã na redação, porque o jornal foi inteiro em função do que aconteceu, e foi triste lidar com matérias, fotos… só me restou rezar por santa maria e agradecer, porque mesmo tão tarde eu voltaria pra casa, pro colo de quem eu amo.

    Beijos e um abraço apertado.

    Reply
  • Camila
    January 29, 2013 at 2:41 am

    Lindo o seu texto, como sempre.

    Não sou mãe, mas imagino a dor que os familiares estão sentindo.

    É triste, muito triste.

    Reply

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