***
Esse texto foi escrito em partes, ao longo de uma semana inteira. A semana do meu periodo pré-menstrual, que termina (e recomeça também) hoje. A intenção não era publicar, mas registrar como a doença tem afetado não só a mim, mas a toda a minha família.
Portanto é um texto confuso e extremamente pessoal.
Até começar a sofrer com esse problema, alguns meses após o nascimento da Lia, eu nunca tinha ouvido falar à respeito. Eu sempre senti sintomas clássicos de TPM (a tensão pré menstrual) que praticamente toda mulher conhece mas eles nunca foram extremos a ponto de colocarem a minha vida em risco.
Agora, no entanto, o que eu tenho passado TODOS OS MESES é difícil de acreditar que exista, e que existam muitas mulheres ai fora também com a mesma doença (a estimativa é de que o transtorno atinga cerca de 2% a 10% das mulheres em idade reprodutiva).
Por essa razão, e também para tentar entender o que vem acontecendo comigo e como eu posso seguir lutando, eu resolvi hoje publicar o texto e falar sobre o assunto pela primeira vez.
******************
Escrevo com muitas dificuldades, meus dedos pesam no teclado, minha vista embaça e está cansada. Meu pensamento é lento e desarticulado.
Meu corpo todo dói, uma dor difícil de descrever, como se os ossos doessem, como se os músculos todos sentissem a dor que eu sinto na alma. Um pedido muito alto para que eu deite e descanse. Me sinto tão cansada. Não é um cansaço comum do dia-a-dia.
Difícil controlar o sono. Hoje, por exemplo, dormi mais de 8 horas durante o dia. Não consigo fazer as contas, mas acredito do que tenha ficado acordada mesmo por cerca de 2 horas somente.
Dirigi. Erik precisava ir à escola, já tendo perdido dois dias de aula na semana passada por conta da minha doença e da falta de uma rede de apoio. Meus sogros viajavam, Ian não podia deixar o trabalho… Só que dirigir é tão difícil. Paro no farol e não me lembro onde estou indo. Viro à direita ou à esquerda? O carro atrás de mim buzina. Esqueço de trocar as marchas, não consigo soltar o freio de mão. Estaciono metros antes da rotatória para pensar qual direção tomar. Começo a chorar descontroladamente. Erik me olha. Sabe que eu não estou bem. Diz que eu sou uma ótima motorista e vai dar tudo certo. Respiro fundo. Sinto tanto amor por essa criança. Tanto. Dói. Continuo. Doença nenhuma nessa vida é maior do que o meu amor, e por isso eu continuo.
Ele fica na escola. Eu faço o caminho de volta e esse é muito mais difícil. Estou sozinha no carro (as meninas estão em casa com a minha sogra que veio nos ajudar) e por muitas vezes desejo ser atingida por outro carro. Por vezes consigo me ver fora de mim, dirigindo. Estou alucinando ou estou dormindo? Despersonalização, é assim que os médicos chamam esse sintoma. Nessas horas é que eu acho que deveria provocar um acidente e ninguém sequer saberia.
Sinto raiva. Uma raiva descontrolada, sem nenhuma explicaçao, vontade de quebrar tudo e gritar.
Ås vezes me machuco. Uso as unhas para fazer cortes ao longo dos braços, até sangrar. Tenho medo de facas. Agora mesmo meus braços tem cicatrizes longas e ainda muito vermelhas, com sangue seco. Acho que foi ontem que sem nem querer me arranhei. Pode ter sido antes. Não me lembro.
Coisas simples, tomam toda a minha energia: procurar a chave dentro da bolsa, por exemplo. Não consigo, choro muito. Abrir portas, contar algumas moedas na carteira, nada disso eu consigo fazer. Imagina a frustração por não conseguir contar as moedas para pagar um café? A vergonha por cair no choro na sequencia?
Pensar nos próximos cinco minutos me apavora. Não consigo planejar nada, nem ao menos o que as crianças vão comer. Qualquer passo, qualquer decisão, por menor que seja, é um tormento.
Sinto medo. Qualquer noticia de desgraça envolvendo crianças me leva ao desespero. Vejo os meus filhos nessas noticias. A dor é absurda e eu acho que vou morrer.
Outras vezes ainda eu não consigo me comunicar. Não consigo montar uma frase. As palavras saem soltas, fora de ordem. Duas, as vezes tres no máximo. Tenho noção de que se alguém me visse assim acharia que eu estou drogada.
Não consigo ouvir o barulho da TV. Qualquer som me deixa ainda mais confusa. As crianças falam todas ao mesmo tempo, eu choro.
Como descontroladamente. Por horas seguidas, sem nenhuma pausa, ate acabar com qualquer fonte de carboidrato que exista na casa. Ou então passo dias sem colocar nada na boca.
Posso passar o dia inteiro dormindo ou o dia inteiro chorando e gritando descontroladamente (feito um bicho mesmo). Se eu estiver acordada, pode ter certeza de que só o que eu queria era estar morta.
Mas eu sobrevivo.
De um dia para o outro acordo e me reconheço. Estou calma, penso em levantar da cama. Sinto vontade de ver meus filhos. Posso esperar que em algumas horas vou começar a sangrar. Dito e feito. O sangramento da menstruação chega, sinto cólicas e tenho a certeza que o pior já passou.
Pelo menos até o próximo mês, o pior já passou.
******
N.
21 Comments
Mariana
March 15, 2018 at 7:36 pmNívea querida, receba meu abraço apertado e afetuoso, repleto de desejo que você encontre, logo, ferramentas para lidar com esse período.
Ana Flores
March 15, 2018 at 8:15 pmNives, receba meu carinho e meu abraço. Nao sabia que esses sintomas existiam por conta do periodo pré menstrual e fiquei até um pouco confusa. deviam falar mais sobre o assunto e que bom que voce tem feito isso! falado sobre assuntos. sobre depressao, sobre amor, sobre ajuda, sobre tpm, sobre tudo! aproveito para agradecer. Obrigada!
Angela
March 15, 2018 at 9:04 pmObrigada pela generosidade de partilhar as suas aflições. Ajudará muitas outras que sofrem caladas. Coragem, sempre!
Netania Gomes
March 15, 2018 at 9:12 pmNívea, querida…
Li seu texto com lágrimas nos olhos. Você é uma guerreira. Acho que é impossível eu sequer imaginar a sua dor, mas sinta-se abraçada! Tenho muito carinho por você e pelos seus filhos (mesmo que virtual).
Estou na torcida para que você e os médicos consigam encontrar algo para acabar ou ao menos aliviar esse pesadelo. Mantenha a fé e lembre-se sempre que estás rodeada de pessoas que te amam muito e que você é muito importante para elas. Estarei em orações por você.
Ana Simoes
March 15, 2018 at 9:18 pmNivea, eu não sei se aí tem, mas tive esse mesmo problema, e fiz tratamento, por uns 4/5 anos, com fluoxetina. Tomava 3 vezes ao dia. Para mim resolveu. Bjssssss
Ana Claudia
March 16, 2018 at 12:17 amBoa Noite Nivea,
Não sei direito o que dizer. Nunca tinha ouvido falar disso.
Então, receba minhas vibrações positivas, e meu abraço virtual.
Grande beijo.
Ana.
Andreia
March 16, 2018 at 1:37 amNão sabia que existia isso. Iria achar q tudo era da ansiedade..
Fran
March 16, 2018 at 1:37 pm“Diz que eu sou uma ótima motorista e vai dar tudo certo. ”
que amor de criança.
Ni, sinto muito por isso. Desejo todas as melhoras do mundo e muita força para você, além de amor.
Lory
March 16, 2018 at 3:02 pmLamento muito vc e sua familia terem que passar por isso.
Não tem como nos dias em que vc está em crise deixar de dirigir?
Vc tem uma família linda e peço a Deus que encontres a cura ou que pelo achem um jeito de amenizar sua síndrome.
Ana
March 17, 2018 at 7:56 pmLamento muito que você tenha que passar por isso. Li o seu texto com um nó na garganta. Difícil de imaginar a tua dor. Receba meu abraço e desejo que tudo melhore.
Barbara McGuinness
March 18, 2018 at 10:05 amOlá Nivea, a minha amiga tinha exatamente esse problema, foi quando ela decidiu retirar o útero, mesmo sem nunca ter tido filhos. Ela tinha diagnostico erroneo de bipolaridade e depressão, hoje ela é uma outra pessoa, cheia de vida e energia e nunca se arrependeu da decisão. Muita luz pra vc.
ELIZ
March 20, 2018 at 1:40 pmVocê é forte e corojosa, mesmo quando não tem tanta certeza disso. Sinta-se abraçada!
Carol
March 23, 2018 at 3:04 pmQue relato sincero e intenso, Nivea. Nessas horas queria morar ai no seu bairro e poder oferecer um suporte pelo menos com a casa e com as crianças durante esses dias, mas por ora ofereço meu apoio virtual. Torço para que logo você domine esses sintômas e vença essa doença. Um grande abraço <3
San
March 24, 2018 at 11:58 pmObrigada por compartilhar. Eu também tenho experimentado sintomas de despersonalização devido à depressão. Tive síndrome do pânico em Dublin, tive que voltar para o Brasil e deixar meu marido na Irlanda. É uma dor sem fim.
Espero que você melhore logo.
Duda
March 27, 2018 at 2:23 pmObrigada por compartilhar…. Um relato tão sincero e íntimo assim mostra o quão consciente e admirável vc é. Desejo o q há de melhor e mais bonito p vc….
Laudenire
April 5, 2018 at 9:48 pmolá querida …
Laudenire
April 5, 2018 at 9:54 pmNivea querida, acompanho seu post a algum tempo…
gosto do jeito que você escreve, gosta da sua familia…
querida você precisa se apegar a Jesus, ore peça ajuda o Espirito Santo, Ele vai te ajudar…
estarei orando por você aprentando você ao Senhor…
você é forte, vai conseguir sair dessa, pense nos seus lindos filhos em seu esposo…
Fique na paz…
Um grande beijo e um abraço bem apertado cheio de Deus…
Laudenire
April 9, 2018 at 7:57 pmolá Nívea como você esta???
beijosss
Luciene
May 8, 2018 at 11:42 amNivea, li esse post agora e lembrei que depois disso já veio a internação. E que bom que vc está sendo cuidada. Torço muito para que o novo médico que voces encontraram consiga chegar ao melhor caminho pra voce. Desejo tudo de melhor pra voce e sua família.
Maria Paula
July 24, 2018 at 12:08 amE vc não pode parar de menstruar? Colocar DIU hormonal ou emendar pílulas?
Nivea Sorensen
July 24, 2018 at 11:41 amnão, os hormônios não ajudam