Lost in Translation

Estamos em casa de manhã, logo depois do café. Toca a campainha, carteiro na porta esperando para entregar o pacote de livros que I. comprou. Aviso pelo interfone que estou descendo e saio com E. no colo, porque ele está doentinho.

Digo bom dia pro carteiro, que mal-humorado que só, nem me responde (já até reclamei da falta de educação dele nos correios, numa outra ocasião). E. repete o bom dia mas nem isso para fazer o carteiro responder. Enquanto pego o pacote E. aproveita para me dar uma apalpada básica através da regata que estou usando e falar bem alto:

– Óooia! Look at this, that’s mamães’s peitos. 

Carteiro olha para mim com cara de pouquíssimos amigos e vai embora sem nem se despedir.

***

Poucos dias antes, situação parecida.

Dessa vez é o entregador do mercado local com as minhas compras da semana. E. corre para a porta empolgado e esperamos ele subir.

Ao contrário dos irlandeses que são um pouco mais avessos a conversas (apesar de normalmente muito bem educados) esse é o polonês que SEMPRE pergunta como estão as coisas (já me perguntou de onde somos e qual lingua nós falamos), me ajuda a colocar as compras na mesa e SEMPRE brinca com E. Acho que talvez por isso E., que quase sempre se cala na presença de estranhos, se permite falar também.

É esse mesmo entregador que às vezes ganha um “thank you, meu amor” quando se despede do meu filho.

Dessa vez ao ir embora ele finge que vai correr atrás do E., no corredor. E., achando que ele vai tentar pegá-lo, foge desesperado aos gritos e risadas histéricas:

“- Oh, dear me! Help, help, vai comer minha bunda. Please não come minha bunda. Ai minha bundaaaa” *

O moço ri, pergunta o que é bunda e eu digo para ele deixar pra lá na torcida de que ele não vá perguntar ao google.

***

Se a vida não tá fácil para você, imagina para mim, que vivo com esse mini-ser do cabelo vermelho, fogo na fralda, e nenhuma noção do que repete em público?

N.

* sim, eu corro atrás do menino pela casa ameaçando comer a bunda dele. Me julguem.