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depressão / Pretensões e Desabafos

Sobre o que ninguém quer falar

“Depression is the flaw in love. To be creatures who love,  we must be creatures who can despair at what we lose, and depression is the mechanism of that despair.” (Andrew Solomon)

E daí que da última vez que estive por aqui resolvi escrever sobre motivos que fazem da minha internação numa clinica psiquiátrica uma experiência não tão legal assim (para não dizer que é das coisas mais difíceis que eu já enfrentei na vida toda).

Um dos motivos era justamente o que me trouxe até aqui. Falei bem rapidamente e muita gente, muita gente mesmo, me escreveu comentando que achava que eu ainda não estava preparada para falar no assunto, contando experiências pessoais e mais uma vez demonstrando muito carinho comigo. 

Então vamos, lá. De novo, e dessa vez com mais detalhes, pelo menos os que eu me lembro.

Eu tenho depressão. Depressão clinica em português, major depression em inglês (nomenclatura muito mais apropriada na minha opinião). Ou seja, meu cérebro depois de alguns episódios de depressão já não funciona mais como deveria. Produzo menos serotonina do que o considerado normal e muito mais cortisol do que seria considerado normal. Por isso, vez ou outra, tenho recaídas e elas nem sempre têm um motivo claro, um gatilho como a gente costuma chamar.

Essa teve início há alguns bons meses atrás. Eu deveria estar cuidando de mim (a doença pede isso),  mas me vi ocupada demais com as crianças e com outras coisas para fazer por mim o que me mantêm saudável mentalmente. Um erro que quase custou a minha vida.

Quando percebi que as coisas não estavam bem procurei meu GP (clínico geral) para aumentar a dose do meu antidepressivo sabendo que as primeiras semanas seriam difíceis já que sou bem sensível à medicação. Todas as vezes em que sou submetida à ela sinto os efeitos colaterias da pior maneira possível. Antes de qualquer melhora, os primeiros dias são como o inferno na terra.

Minha sogra veio ajudar com as crianças até que esse primeiro período terminasse. Passei meses de altos e baixos. Na semana em que a medicação era alterada eu piorava consideravelmente e na semana seguinte voltava quase ao normal.

Até que em uma dessas semanas em que eu deveria estar vendo melhoras, eu piorei muito, numa velocidade muito rápida.

De um dia para outro passei a não dormir, ou a ter pesadelos terríveis. Sem dormir, nada mais fazia sentido. Passava muitas horas sem conseguir colocar nem água na boca e depois comia por horas seguidas, sem pausa, até quase passar mal. Fazia um esforço enorme para levantar da cama e chegar ao sofá e ficava só esperando as horas passarem para poder voltar para cama, mas elas se arrastavam. Não conseguia fazer absolutamente nada que exigisse qualquer esforço físico ou mental. Olhava para as paredes num sofrimento sem fim. As noites então, quando todos dormiam, eram muito piores. Tentava resistir na esperança que um dia a medicação funcionaria e eu acordaria melhor.

Ia à terapia mas só chorava. O terapeuta fazia sugestões mas nada fazia sentido. Sabia que precisava me alimentar e fazer alguma atividade física para quebrar o ciclo de mal-estar mas mal conseguia forças para escovar os dentes pela manhã. A cada dia eu acordava num estado pior. Era como se eu tivesse morrido e ainda continuasse a ver as outras pessoas seguindo com suas vidas. Meu peito doía muito, já não conseguia nem chorar. A idéia de que um dia tinha sido diferente, e que seria novamente, foi esquecida. Eu só via o horror de tudo aquilo. Parecia não ter fim. Perdi a noção de tempo. Olhava meus filhos e tinha certeza que não os veria crescer. Todos os dias me despedia deles em silêncio e só imaginava como seria a vida deles sem que eu estivesse por perto.

Passei a não conseguir me comunicar. Falar era difícil demais e tudo o que eu conseguia dizer era que não conseguia mais, que não aguentava mais, implorava por ajuda. Nesses momentos minha sogra às vezes me arrastava para a porta da rua para deixar o ar bater no meu rosto quando eu achava que iria morrer.

Como não conseguia nem falar comecei a me machucar. Arranhava meus braços até sangrar ou até que alguém me segurasse para parar. Muitas vezes me vi sangrando sem nem lembrar o que tinha acontecido.

Eu queria morrer mas ao mesmo tempo não tinha energia nenhuma nem mesmo para tentar me matar. Até que um dia, depois de uma ida ao pronto-scorro voltei para casa com remédios para dormir. Queria tomá-los. Queria tomá-los todos e nunca mais acordar. Era fácil e não envolvia nenhum esforço praticamente. Era muito melhor do que viver daquele jeito. Era minha única saída. Comecei a planejar como fazer aquilo sem que meus filhos me encontrassem e guardei a medicação para uma hora apropriada. Até para deixar de viver a gente precisa pensar em quem fica.

Felizmente essa hora nunca houve. Salvei meus filhos desse pesadelo e eles me salvaram ao mesmo tempo. Quando Ian perguntou dos remédios que eu havia escondido não consegui mentir para ele e assumi que precisava seriamente de ajuda profissional. Era muito óbvio que o que estava sendo feito até então não estava dando nenhum resultado e que não dava mais para esperar.

No dia seguinte fui internada e como você sabe, ainda bem,  essa história não termina aqui.

N.

About Author

42 anos; brasileira que mora na Irlanda; mãe de um filhote de irlandês do cabelo vermelho e muito fogo na bunda, de uma pimentinha de olhos grandes e curiosos e de uma caçulinha que é só sorrisos.

16 Comments

  • Ananda Etges
    December 14, 2015 at 6:08 pm

    Não consigo nem imaginar por tudo que tu tem passado. Só posso deixar meu carinho aqui, em forma de palavras.

    Beijo,

    Ananda

    Reply
  • Gabi
    December 14, 2015 at 6:40 pm

    Nivea. Você é uma fortaleza. Que todo o amor e paz do mundo te encontrem e te abracem forte. Beijos

    Reply
  • Monique
    December 14, 2015 at 6:52 pm

    Querida, muita força e paz. Que vc encontre luz e esperança sempre.
    ?

    Reply
  • Mari
    December 14, 2015 at 7:18 pm

    Ni, querida, fiquei emocionada com a sua história!
    Me identifiquei com alguns episódios e, como você, também busquei ajuda profissional. Eu tenho certeza que algumas coisas que acontecem na nossa vida são só Deus tentando nós provar o quanto somos fortes.
    Um beijo grande pra você e outro pra I., que além de marido é um companheiro e tanto! Vocês estão em minhas orações.

    Reply
  • Paula Oliveira
    December 14, 2015 at 7:24 pm

    Nivea, vc é muito forte por simplesmente vir aqui falar sobre isso. Graças a Deus que vc pôde se internar e não chegou a tentar contra sua vida. Espero, de todo coração, que esteja bem agora e que continue a melhorar.
    beijos

    Reply
  • Bibi
    December 14, 2015 at 7:25 pm

    Nívea querida, estou acompanhando tudo… lendo tudo.
    E esse relato me mostra que você tem muita força e vontade de viver.
    Você poderia não ter falado nada com seu marido, poderia ter ocorrido o pior.
    Mas graças a Deus teve volta. Teus filhos vão ter você por perto. Teu marido também.
    Você foi corajosa e é muito. Que Deus te proteja sempre e te dê forças.
    Agora tudo está melhorando. Estou torcendo pela sua plena recuperação.
    Um grande beijo e fique bem!

    Reply
  • Didi
    December 14, 2015 at 7:28 pm

    Ele salvou sua vida e, tenho certeza, salvaria todas as vezes que forem necessário.
    Força.
    Se houver algo que possa fazer, avise.

    Reply
  • Tathiana Luzetti
    December 14, 2015 at 7:37 pm

    Nivea, eu sinto muito, muitíssimo mesmo. Eu lhe mandaria flores se fosse possível.

    Tudo passa e há sempre Sol brilhando além das nuvens sombrias.

    Um abraço forte

    Reply
  • Fernanda
    December 14, 2015 at 8:26 pm

    Nivea, impressionante seu relato ainda bem que você recebeu ajuda ou sabe lá o que teria acontecido. A mensagem que deve ficar é..acima de tudo, cuide-se para poder cuidar dos seus filhos e marido. Estou torcendo por você.
    Um abraço forte!

    Reply
  • angela
    December 14, 2015 at 8:54 pm

    A depressao eh uma doenca tremenda, eh uma luta tao desigual porque o inimigo eh invisivel.
    Obrigada por partilhar, algures alguem a estara a ler e o seu testemunho sera uma grande ajuda. Continue com coragem, um dia de cada vez!

    Reply
  • Luciana
    December 15, 2015 at 12:30 pm

    Estou torcendo sempre por voce!!! Como eu ja disse, queria muito poder ajudar de alguma maneira! D-us abencoe o Ian e a familia dele, voce realmente ganhou na loto com eles!!! Tenho certeza q os merece!

    Beijos e um abraco apertado!

    Reply
  • Thaísy
    December 15, 2015 at 5:20 pm

    Ni, sei o que é conviver com depressão, com esses altos e baixos, aqui no Brasil infelizmente não temos essa estrutura para abrir a nossa vida como paciente de saúde mental sem ser taxada de nomes terríveis. Vamos vivendo um dia de cada vez, estou passando por mais uma crise e acompanhei diariamente sua internação, o ato de vc dividir seus momentos que acredito não foram bons na clinica, já me ajudaram muito! Um forte abraço!! ♥

    Reply
  • Importador Profissional
    December 19, 2015 at 5:37 pm

    Poxa nivea você é realmente uma extrema guerreira, você é muito abençoado por Deus, muito força…

    Parabéns Guerreira!

    Reply
  • Como Emagrecer
    December 23, 2015 at 12:31 am

    Me emocionei, estou muito inspirado em você nivear, realmente você me passou inspiração, força para seguir em frente….

    Parabéns!

    Reply
  • Ricardo
    December 28, 2015 at 11:16 am

    *hugs*
    Nívea, vc vai superar a depressao e ainda vai ajudar mta gente na mesma situacao. <3

    Reply
  • Paula
    December 30, 2015 at 11:19 pm

    Parabéns pela coragem de compartilhar sua luta com a gente e ainda mais por ter pedido ajuda a tempo. Feliz em saber que essa história não acabou – e continuo na torcida por dias felizes!

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